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Troquemos de mestres - Por Flavio Siqueira
06/03/2020 08:49 em Textos

Me disseram na escola que o ser humano é o único animal racional. Com o tempo passei a desconfiar que talvez não fosse verdade. Bastava observar os animais, todos eles, e perceber algo além dos instintos, um tipo de comunicação sutil, expressões de inteligencia, diferente dos humanos, mas não por isso inexistente, muito pelo contrário.

Mas e a tal racionalidade do bicho homem? Havia mais impulsos do que reflexão, mais instinto do que consciência, mais reflexos condicionados pela própria cultura do que escolhas ponderadas, equilibradas, racionais.

Enquanto os chamados “seres irracionais” vivem em equilíbrio com o planeta, nós, os “racionais” desenvolvemos algo que chamamos de “vida moderna”, uma cultura completamente predatória, seja em relação à natureza, seja em relação ao semelhante.

Nos autodestruímos por impulso, aceitamos condicionamentos que frequentemente nos deslocam para terras estranhas, terras que não parecem com nosso chão, outro habitat que, com o tempo, passa a ser nosso.

Me refiro a artificialidade das relações, a superficialidade dos sentimentos, a compulsão por distrações, a necessidade de “alegrias” incessantes; nosso medo da solidão, nosso pânico do sofrimento, nosso terror diante da morte.

Antinaturalmente passamos a vida tentando negá-la, construímos uma bolha de distrações tentando pensar que seremos eternos, homens e mulheres gargalhantes que dominarão o planeta, os animais, e, se possível, os semelhantes mais fracos. Por que não?
Que tipo de racionalidade nos faz pensar que somos os únicos seres pensantes na terra? Alias, o que nos faz pensar que de fato pensamos?

Talvez esteja na hora de elegermos outros mestres. No lugar de ideologias políticas, os mestres gatos nos ensinarão como relaxar e viver em paz. Prefiro trocar os debates sobre ética e moral pela fidelidade dos cães que não fazem nenhuma distinção entre um mendigo e um banqueiro.

Os mestres pássaros ensinam como viver no presente, alimentando-se do que o dia chamado hoje reserva, livres em suas melodias que saúdam as manhãs.

Não quero mestres homens. Pessoalmente me inspiro com as mestres formigas, que de alguma maneira se organizam para construção de seus formigueiros, carregam pedaços de folhas, pedrinhas, trabalham incessantemente sem que uma se coloque em superioridade em relação à outra.

Sou discípulo dos peixes, os que vivem pacificamente em um mundo desconhecido para mim e, talvez por isso, de alguma maneira, ainda preservado. Namastê, mestres minhocas! Vocês que cuidam da terra, que trabalham silenciosamente sem necessidade de aplausos ou reconhecimentos. Perdoe por suas irmãs esmagadas sem nenhuma razão por nós, os seres racionais.

O que seria dos pobres e dependentes humanos sem o trabalho de vós, mestres abelhas? Haveria equilíbrio se os sábios sapos não existissem? Será que nós, avançados e sábios animais racionais, os únicos racionais, existiríamos sem o trabalho das senhoras, mestres baratas, que convertem nitrogênio em fertilizantes?

Nossa irracionalidade nos levou para muito longe de casa. Admiramos nossas construções, aplaudimos nossa insanidade projetada em sistemas autodestrutivos, chamamos uns aos outros de “mestres” e deixamos de enxergar que há consciência em todo o planeta, a terra fala, os bichos ensinam, tudo se conecta, se comunica.

Troquemos os mestres, sejamos humildes, suficientemente abertos para aprendermos com seres mais simples, justamente por que esses não se corromperam com a própria luz. São filhos da terra, irmãos uns dos outros, vivendo entre nós com sua silenciosa sabedoria, presentes enquanto não destruímos tudo em nome de nosso progresso.

Namastê mestre bicho do alface! Perdoe os humanos. Temos sido a mais eloquente expressão da irracionalidade animal.

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