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Coronavírus: O legado do medo - Por Marcela Zaidan
07/04/2020 17:29 em Textos
O ser humano tem três defeitos viscerais: pensa, sente e age. E porque sente (medo) pensa (medo) e age (medo), nunca houve paz na Terra. Nem segurança. Nem confiança. Nem garantias. Nem certezas, embora uma parte gigantesca da humanidade finja que as tenha e lute por elas até o fim.
Enfrentamos muitas epidemias virais, mas nenhuma com cobertura completa e acompanhamento ao vivo pela Internet, como o coronavírus de Wuhan (COVID-19).
Os primeiros casos suspeitos foram notificados em 31 de dezembro de 2019, parece que foi ontem, parece que foi há séculos (será que foi em outro milênio? Em que tempo realmente estamos?)
7 bilhões em alerta: vírus não respeita nacionalidade, etnia, idade, sexo, ideologia, religião, cor da pele, formato dos olhos, preferência política: nos vê como não nos vemos, mas somos: iguais.
Mas desta vez parece que tem algo errado. Algo datado. Algo que já se repetiu o suficiente para não ser mais inédito. Estamos todos fatigados do medo que não nos afeta mais, é isso?
Ou o medo é que não voltou com tudo agora, porque nunca foi embora, sempre esteve aqui mesmo, uma parte dos nós que nos conectam, o medo das epidemias, o medo da dor, o medo das tragédias, o medo da morte, o medo da vida.
Sem medo, o que somos?
Não se trata de individualidades, das Mariazinhas e Pedrinhos cheios de opiniões deformadas sobre o que dizem não se importar, mas sobre o que sentimos coletivamente: a humanidade é sobre regras, embora cada ser humano se considere uma exceção a alguma coisa que nem sabe o quê. São as semelhanças, dolorosamente negadas por todos, que fazem de nós uma espécie.
Somos bichos que não se aceitam bichos, nos tratamos como sapiens sapiens civilizados, mas nenhuma civilização, nenhuma civilidade, muda mamíferos primatas que falam, escrevem e mentem que não sentem o que estão sentindo.
As tragédias que nos espreitam não têm escolhidos. E os vírus, que talvez nem sejam seres vivos, não capturam detalhes: somos todos o alvo. UM alvo.
A regra é o medo.
Medo que alimenta os grandes e os pequenos mercados, medo que nos faz, inseguros, comprar seguro do carro, da casa, do corpo, da vida... Medo que enriquece as grandes corporações, que nos faz pagar caro por teto e chão firmes, que registramos no Cartório com firma reconhecida, mesmo que nossos pés flutuem soltos, no espaço, em contato efêmero com uma nave gigante maluca e sem piloto, que não para de se debater e girar, como um inseto, em volta da lâmpada que nos aquece e nos queima.
Coronavírus é mais uma manifestação do medo coletivo, o medo que nos iguala, que nos conecta e que, por isso mesmo, nos desconecta: precisamos de distância dos infectados, isolem os infectados, se isolem, mesmo que o isolamento seja a maior de todas as ilusões.
Mas desta vez é diferente, o que está tão diferente desta vez?
O ser humano tem três defeitos viscerais: pensa, sente e age. E porque não enxerga o futuro, o inventa, o deturpa, o destrói, o refaz.
Tudo é sempre outra coisa, que coisa?
Nós não temos mais medo, porque nós SOMOS o medo.
Bem-vindo, coronavírus. Você não tem a menor chance na guerra contra a mais poderosa praga do planeta.
 
 
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